Política

Dilma Rousseff sanciona lei que institui Comissão da Verdade

Lei de Acesso às Informações Públicas também foi sancionada pela presidente
Dilma Rousseff sanciona lei que cria a Comissão da Verdade Foto: Roberto Stuckert Filho / Divulgação
Dilma Rousseff sanciona lei que cria a Comissão da Verdade Foto: Roberto Stuckert Filho / Divulgação

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sancionou na manhã desta sexta-feira, em solenidade no Palácio do Planalto, a Lei de Acesso à Informação e a lei que institui a Comissão da Verdade, aprovadas pelo Congresso no fim de outubro. Segundo Dilma, que foi presa e torturada durante o regime militar, a sanção das duas leis coloca o país num patamar em que o Estado deve subordinar-se aos direitos humanos. A presidente fez questão de dizer que não se trata de revanche, mas de um direito da sociedade à verdade.

- Tratam de assuntos distintos, mas (as duas leis) estão ligadas uma a outra. São um passo decisivo na consolidação da democracia brasileira. Tornam o Estado brasileiro mais transparente e garantem o direito à memória e à verdade. Portanto, o direito à cidadania - disse, acrescentando:

- Se somam ao esforço e dedicação de brasileiros que lutaram e lutarão para fazer o Brasil mais justo e menos desigual. Uma geração de brasileiros que morreram, que nós homenageamos. Acredito que a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação e da Comissão da Verdade colocam nosso país num patamar superior, um patamar de subordinação de Estado aos direitos humanos.

“Nós não podemos deixar que a verdade no Brasil se corrompa com o silêncio”

A criação da Comissão da Verdade tem por objetivo esclarecer violações dos direitos humanos ocorridas ente 1946 e 1988. Na prática, o foco será a ditadura militar (1964-1985). Opositores da medida dizem que haverá estímulo ao revanchismo. A comissão, no entanto, não revogará a Lei da Anistia nem terá caráter punitivo. Dilma destacou que não se trata de vingança, numa resposta aos críticos da Comissão da Verdade. Segundo a presidente, não pode haver silêncio em torno do que aconteceu no passado.

- Nós não podemos deixar que a verdade no Brasil se corrompa com o silêncio - disse.

A presidente destacou que as duas leis sancionadas são importantes sobretudo para as novas gerações porque irão mostrar a elas a verdadeira história do país nos anos recentes.

- As gerações brasileiras se encontram hoje em torno da verdade. O Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo, sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio - afirmou, para completar em seguida:

- São momentos difíceis, que foram contados sob um regime de censura, arbítrio e repressão. É fundamental que a população, sobretudo jovens e as gerações futuras, conheçam nosso passado, quando muitas pessoas foram pressas, torturadas e mortas.

Para um público que reuniu ex-companheiras de cela de Dilma da época em que ela foi presa pela ditadura militar, familiares de desaparecidos políticos e os três comandantes das Forças Armadas, a presidente disse que o sigilo não pode ser desculpa para violações de direitos humanos:

- Nenhum ato ou documento que atente contra os direitos humanos pode ser colocado sob sigilo de espécie alguma. O sigilo não oferecerá nunca mais guarida ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Esta é uma importante conexão, uma conexão decisiva com a lei que cria a Comissão da Verdade.

“Nós não podemos deixar que a verdade no Brasil se corrompa com o silêncio”

Dilma disse que esta sexta-feira é histórica e que deve ser festejada como o dia em que o país deve comemorar a transparência e celebrar a verdade.

- A verdade sobre nosso passado é fundamental para que aqueles fatos que mancharam nossa história nunca mais voltem a acontecer - afirmou.

Ela agradeceu ainda a atuação de alguns ex-ministros do governo Lula, que, segundo ela, contribuíram para a elaboração das duas leis. Foram citados Franklin Martins (Comunicação Social), Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e até mesmo Nelson Jobim (Defesa), que saiu do governo Dilma após dar declarações que desagradaram a presidente.

- Cada um, olhando do ponto de vista do seu ministério, soube contribuir para a elaboração dessas duas peças que hoje se transformam em lei - afirmou Dilma, que também agradeceu o ex-presidente Lula, ministros e parlamentares.

Em comunicado divulgado nesta sexta-feira, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, elogiou a sanção da lei que criou a Comissão da Verdade. Ela afirmou que a norma demonstra “o compromisso do Brasil em lidar com os direitos humanos em casa e também no resto do mundo”.

No entanto, Pillay defendeu que o Brasil deve tomar medidas adicionais para facilitar o julgamento dos autores de violações dos direitos humanos, o que inclui a revogação da Lei da Anistia, de 1979, que impede a punição de tais crimes.

Membros da oposição estão entre os cotados para vaga na comissão

A comissão será composta por sete integrantes, todos escolhidos pela presidente da República, e terá um prazo de dois anos para funcionar. Até agora, há apenas especulação em torno dos nomes, que deverão vir de grupos ideologicamente distintos. A própria lei determina que a comissão deve ser "composta de forma pluralista".

Dilma não citou nomes para compor a Comissão da Verdade, mas entre os cotados estão até mesmo integrantes do oposicionista DEM, como o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo e o ex-vice-presidente e ex-senador pernambucano Marco Maciel. Contra Maciel, como informou na quarta-feira o colunista do GLOBO Ilimar Franco, há uma campanha do PT de Pernambuco para impedir sua nomeação.

Também já foram lembrados alguns ex-secretários de Direitos Humanos, como Paulo Sérgio Pinheiro e José Gregori (ambos do governo Fernando Henrique) e Nilmário Miranda (do governo Lula). Da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), despontam o ex-presidente nacional Cezar Britto e o presidente da seccional do Rio, Wadih Damous. É esperada a presença dos dois na solenidade em que a lei será sancionada.

A lei impõe três condições aos integrantes da Comissão da Verdade: não podem exercer cargos executivos em partidos políticos, exceto aqueles de natureza honorária; devem ter condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da comissão; e não podem exercer cargo em comissão ou função de confiança no poder público. E também estipula que os membros serão escolhidos "dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos". Eles terão salário de R$ 11.179,36.

Lei de Acesso às Informações Públicas põe fim ao sigilo eterno

Já a Lei de Acesso à Informação põe fim ao sigilo eterno de documentos oficiais e regula o acesso a informações do governo. O Senado, ao aprovar o projeto em outubro, manteve o texto da Câmara e rejeitou os destaques apresentados pelo senador Fernando Collor (PTB-AL).

Presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, Collor foi o principal opositor à imposição de um limite temporal de 25 anos - prorrogáveis por mais 25, totalizando 50 - para o sigilo de documentos oficiais. Ele chegou a argumentar que documentos que ameacem a segurança nacional e que exponham cicatrizes de conflitos passados, como a Guerra do Paraguai (1864-1870), não poderiam ser divulgados.

A lei já poderia ter entrado em vigor não fosse justamente a oposição de Collor, que por meses segurou o projeto. A própria Dilma ensaiou atender a demanda de Collor e do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ambos, ex-presidentes da República, defendem o sigilo eterno para alguns documentos. Entretanto, após a má repercussão, Dilma recuou e voltou a defender a proposta de limitar a 50 anos o sigilo dos documentos oficiais.